Pedro e Leonel vagavam pela terra morta quando avistaram algo de cor rosa
que destoava em toda aquele cinzento de
destruição. Aproximaram se e a cada passo a esperança pulsava mais forte dentro
deles. Os dois estupefatos constataram que uma morada, um Oasis, no fundo de
uma rua permanecia intacta: A grama verde, gatos e cães brincavam pelo pátio, pássaros
de todas as cores e penugens, gorjeavam
nas árvores. O chafariz na frente da casa era cercado de folhagens. Uma mulher de mármore
com curvas perfeitas tinha o rosto virado para o céu e num
banho ininterrupto, ficava ali, apontando para cima. Um musgo verde tornava o
seu cabelo ainda mais volumoso e espesso. Um limo mais claro dava a estatua uma
transparência etérea. Mesmo de longe via-se o esgar de quem esbanjava água enquanto a sede imperava lá
fora
Buganvílias cor de rosa
entrelaçavam-se com a grade grossa de ferro que separava aquela residência da
rua. Seus espinhos se tornaram verdadeiros escudos impossibilitando a entrada
de qualquer um.
Tentaram entrar, não
conseguiam ultrapassar a grade sem conseguir aonde se apoiar. O portão
emperrado, nem cinco homens conseguiriam move-lo. Chamaram, gritaram por socorro. O silencio
sepulcral, era cortado pelos clamores dos dois que caminhavam de um lado a
outro da grade tentando entrar. Não
havia uma alma viva ali. Permaneceram até o anoitecer na esperança de aparecer alguém e
abrir aquela fortaleza, quando uma
mulher surgiu e começou a regar as
plantas. Ela ficou minutos aguando e conversando com cada folhagem, com cada planta. Despedia-se
ao parar e cumprimentava a próxima ao começar. De longe viu-se escorrer o
liquido que o chão bebeu. Sujos, sedentos, os dois homens ansiavam por água
mais ainda que a terra seca. Cabelos compridos, desgrenhados a pele escura
curtida pelo sol, vestidos em farrapos. Precisavam beber e por
alguns goles seriam capazes de tudo.
Pedro e Leonel tinham mulher que esperavam por auxilio. Não
teria como chegar em casa mais uma vez com as mãos vazias. O único filho de Leonel estava
desidratado. O leite de Ester, há dias sem alimentação, secara e temiam pela
sua vida.
A jardineira não os escutava por mais alto que
gritassem. Seu cabelo era preso e usava um vestido claro e solto no corpo.
Tentaram chamar a atenção dos cães, atirando pedrinhas e pedaços de galhos que
nunca atravessavam a grade ou alcançavam o chão. Ninguém os percebia.
Leonel caminhava de um lado
para o outro procurando uma abertura. Como nada encontrou, começou a escalar a
grade, mas os espinhos das buganvílias agarraram suas pernas, adentraram
sua carne de onde não verteu sangue.
Nada o faria parar, tamanha era a sua ânsia de levar água para a mulher e filho.
Observando tudo do outro
lado da grade, aos poucos Pedro percebeu brotarem raízes dos pés de Leonel.
Essas logo se infiltraram no chão. De
seus ouvidos, narinas e boca surgiram galhos florescidos. No rosto do homem que
observava via se todo o horror que o consumia enquanto o corpo do amigo, seus
membros se transformavam em mais uma buganvília a reforçar a grade. Os olhos do
homem que tentara adentrar aquele paraíso caíram empurrados por galhos internos
que surgiam cada vez mais fortes. Pedro afastou-se temendo que aquilo também ocorresse com
ele.
Logo a mulher veio regar a
nova buganvília que sedenta estremeceu ao receber as primeiras gotas. Ela sabia
de sua sede. Chamando Leonel pelo nome, regou-o por mais tempo que as plantas
anteriores. Do lado de fora, Pedro despercebido, engoliu em seco e levou às mãos a cabeça pensando que aquilo
era um pesadelo. Pediu água num gemido, mas ela não o ouviu. Tonto, trocando as
pernas, começou a retornar pra casa. O que diria a Ester, mulher de Leonel,
quando chegasse?
No caminho, ninguém. Seus
pés estalavam pisando os galhos secos e torrões de terra. Há tempos que sabia
que eram os únicos. Onde tinham ido e quando
não saberia dizer. Uma tontura estranha
tomava conta dele que temia
tornar-se uma planta ali mesmo,
embora não sobrevivesse no chão seco.
Em casa, Marta sua mulher
chorava sem lagrimas. O choro aumentou quando percebeu que ele chegara de mãos
vazias. Abraçou-o triste e entre soluços secos
disse estar grávida. O chão girou e ele
quase desfaleceu. O que ele faria agora? Ester, mulher de Leonel, veio
do quartinho com olhos inchados e o bebe quase imóvel no colo. Não teve coragem
de dizer nada. Passou a mão pelo cabelo desgrenhado e duro e sem olhar nos
olhos delas, inventou qualquer coisa, quando perguntaram por Leonel. Rápido sem detalhes, virado de costas,
fingindo estar tirando um espinho do pé, disse que teria que sair cedo para encontrar Leonel que
ficara observando um novo local para se
mudarem. Tudo daria certo, tentou confortá-las.
Não conseguiu dormir. O
tempo todo a cena de Leonel
transformando-se em uma planta teimava em se repetir. Tinha vontade de rir e de
chorar. Pensava ter enlouquecido. Suspirava muito, levava a mão à cabeça, ao
peito. Não entendia o que havia acontecido. Qual era o sentido de tudo aquilo?
Saiu cedo, nada havia pra
comer ou beber. O que mais doía era saber que as duas ficariam ali naquela
situação, com sede, com fome. Não entendia como ainda não tinham morrido,
tantos dias naquela situação. Voltou a
casa do chafariz. O sol já a pino aumentando a secura da boca, os lábios já
rachados pelo calor. No pátio, folhagens
verdes, árvores viçosas, pássaros de todos os tamanhos cantando e revoando de
um arbusto a outro. No centro do terreno, a mulher de mármore apontando para o
céu, a água corrente. Sentou se no chão do outro lado da rua e chorou perguntando a Deus se ele tinha se esquecido deles.
Um farfalhar sem vento o
lembrou de Leonel ali transformado em Buganvília. Naquele pavor não saberia
dizer com certeza quem, qual era ele. Eram tantos os pés daquela flor trançando
na grade... Ouviu outra vez o barulho destoando nas folhas e reconheceu o
amigo. Chegou chorando à cerca e de forma inexplicável, conversaram, sem falar.
Leonel estava consciente,
revigorado. Sentia-se muito bem e pediu
a Pedro que comprovasse sua amizade
fazendo-lhe um favor. Ao ouvir o pedido sacudiu a cabeça, chorou, disse que não
conseguiria. Chorando ainda mais desnorteado, cambaleando de sede afastou-se do
amigo sem saber o que fazer. No caminho para casa, alongado pela fraqueza,
pensava na situação em que estavam e sem forças de continuar lutando pensou no pedido do amigo.
Em casa o silencio. As duas
estavam desfalecidas. O peito da criança mexia muito leve e devagar, talvez nas
últimas horas de vida. Sem pensar mais, sacudiu os braços de Marta
que abriu os olhos com muito esforço.
- Vamos! – Disse ele decidido.- Vamos! Falta pouco agora. – Foi até Ester, pegou a criança sem vida nos braços
e falou.
- Leonel nos espera. Vamos!
Ele esta bem, encontramos um lugar com água para vivermos!
Sem questionar e com passos
curtos e lentos as duas começaram a
caminhada revigoradas pela esperança. O sol já tinha se escondido e o
calor diminuíra ajudando no trajeto.
Ao chegarem à casa cercada
de buganvílias uma mulher caminhou até o portão e o abriu para eles. Pedro
a reconheceu. Era a deusa de pedra do chafariz.
ResponderExcluirTem dias q n consigo entender esse Google,já comentei 2 vezes e nada d publicação dos tais.
Fantástico.Essa casa bem poderia ser a minha,me vi na descrição,sim,a mulher de pedra certamente sou eu.
ResponderExcluirBouganville,minha planta preferida desde há mto tempo e em todas as colorações existentes.
Por um momento temi pelas vidas de Pedro,Leonel,suas companheiras e filho,ufa! que maravilha,final inesperado e feliz.
Amei Sinara Foss, tens a capacidade de inserir o leitor no ambiente em questão,demaissss.
Adiante amiga.Bjksssssssssss
Coisa boa!!! Me arrepiei Suzy com seu comentário. Adoro receber um feedback assim positivo sobre meus escritos.
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