Os três carros chegaram juntos.
Nenhum dos motoristas queria ser o primeiro a descer, abrir o portão e entrar.
Os seus olhares entristecidos se procuraram enquanto estacionavam do lado de fora do pátio amarelado pelas alamandas floridas. Ora viravam para o alto,
ora engoliam em seco e olhavam para a casa... Era a primeira vez que os irmãos
iam à praia desde a morte de sua mãe.
Fazia pouco mais de um mês
que Dona Docinho havia morrido. Sempre muito amada e querida por todos que a
conheciam, era chamada assim, por ser, como a alcunha já diz, um doce de
pessoa.
Nascera e se criara na
praia, uma das filhas mais velhas de uma grande família de oito irmãos. Vivera
ali até os dezoito anos, quando se casou e fora morar no interior de Vinha D’Alho, distante mais de 50 quilômetros. As
visitas ao litoral se tornaram escassas à medida que os filhos foram nascendo e
isso a deixava triste. Deixara a família para trás para seguir o marido. O
nascimento dos cinco filhos foi tomando o lugar da saudade. Muitos anos depois,
quando os filhos se tornaram homens e ela
enviuvou, pôde fazer o que realmente
queria. Todo o mês de dezembro arrumava suas coisas, levava a empregada , a gata Izzy, sua melhor
companhia, e mudava de endereço por três meses, só voltando para Vinha D’alho
depois do feriado de Páscoa. Adorava praia e estar cercada pelos familiares. Quando
os filhos apareciam por lá a alegria se
completava. Pra ela, felicidade era estar ao lado dos irmãos, dos filhos, jogar
pife com eles e tomar espumante gelado.
Naquele dia, o filho mais
novo, Leandro, estava com as chaves. Com uma fisgada no peito abriu o cadeado
do portão sempre olhando para a casa. Não conseguiria descrever sua dor, nunca
fora bom com as palavras.
Entraram pela frente e
abriram as janelas e portas com a respiração e a voz presas. Uma nesga
de sol, também de luto, entrou triste e silenciosa em todos os cômodos.
Começaram a limpar, tirar o pó. A casa estava fechada desde o último verão
e isso os absorveu. Todos os cômodos,
todos os móveis falavam dela, falavam nela... O cheiro, o jeito, tudo.
A suíte da mãe ficou vazia por
respeito, por consideração... Ninguém quis ocupar seu quarto, intacto desde seu
desaparecimento há pouco mais de um mês.
Sentados na área da frente, ninguém
falava nada. As mulheres choravam baixinho fazendo uma coisa ou outra. Leandro manteve a bola na garganta. Não chorava, mas não sentia
menos dor, menos falta, menos vazio.
Naquele mesmo dia, tudo
voltou ao normal, na medida do possível. Fizeram as refeições, lavaram as louças, assistiram
TV, foram tomar banho de mar, dormiram... Mas o vazio estava ali, fazendo todas as atividades com eles.
Daquele dia em diante, tudo seria assim: chegariam e se
deparariam com uma casa fechada e toda
vez teriam que fazer tudo, abrir as lembranças, varrer as lágrimas e tirar o pó da saudade. Tudo seria tão
diferente de antes, quando o carro nem bem chegava à calçada e a mãe, já na porta escancarada da garagem, com seu olhar azul iluminado pela alegria de sua chegada, já dava ordens pra empregada arrumar
os quartos com lençóis perfumados, recém lavados para que ficassem bem confortáveis.
Despedir-se da casa, naquele final de semana, não foi mais
fácil. Fecharam as janelas, as portas e passaram cadeado no portão. O veraneio
estava recém começando e teriam que conviver com a sua ausência se quisessem aproveitar
a praia.
Na sexta feira seguinte o
cadeado não estava no portão. A porta da frente estava destrancada. A parte dos
fundos estava aberta, as janelas escancaradas. No ar um cheiro de vida. O vento
do litoral entrava e fazia dançar as cortinas. Num canto da área dos
fundos um banheiro de gatos com areia recém colocada e dois potes, um com água
e outro com ração fresca. Da porta da cozinha surgiu a gata Izzy com a cauda
erguida, denunciando alegria em vê-los.
Brincaram com a gata sem
parar. Ora ela interagia com um, ora com outro. Cheirosa, recém saída do banho
e pelo bem brilhoso, dava tapas em suas pernas quando passavam por ela sem
alisá-la.
Guardaram seus pertences nos
quartos e sentaram na sala. Tudo estava limpo e organizado. As duas geladeiras
cheias de cerveja gelada. Um cheirinho
de comida caseira e temperada fumegava
no fogão. A felicidade havia
retornado.
Juntaram as cadeiras, o guarda
sol colorido, a caixa com gelo e caipira e foram aproveitar a praia. O sol estava radiante, o mar quase sem ondas
e a água esverdeada. Contaram piadas, jogaram frescobol, caminharam por dez
guaritas e voltaram.
O almoço estava na mesa fartamente posta. Duas variedades de carne,
muitos acompanhamentos e saladas.
Comeram enquanto conversavam e brincavam contentes por estarem ali num dia
quente e ensolarado. A sobremesa caseira agradou a todos.
Domingo à tardinha
retornaram para suas casas em Vinha
D’Alho. Não havia neles aquela dor da saudade.
Na sexta feira seguinte a
tardinha , uma névoa espessa, estranha aquela hora, tomava conta do litoral. Leandro
foi o primeiro a chegar com sua mulher e filhos. Os outros irmãos chegariam mais
tarde, depois das seis. Izzy, faceira veio se roçar em suas pernas, miando
contente Acocorou-se e acariciou o pelo
macio.
Leandro, apaixonado pelo mar
como a mãe, foi até a praia, mesmo sem sol, caminhou pela areia e deixou as
águas frias molharem seus pés. Respirou o ar salgado, sentou-se e pensou na
mãe. Pela primeira vez, desde que ela morrera, deixou-se tomar pela emoção e
chorou. Os soluços sacudiam seus ombros e as lágrimas corriam mais salgadas que
o mar.
Depois de algum tempo
decidiu voltar. De longe viu os carros dos irmãos estacionados dentro do pátio.
Ouviu algazarra e risadas e quando se aproximou viu a mãe entre eles. O irmão
mais velho chamou contente fazendo sinais com as mãos:
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