Friends are not FOOD

Friends  are not FOOD

sábado, 27 de outubro de 2018

O passado volta num café

Com a mão esquerda Gregório, equilibra a bandeja sobrecarregada com taças brancas manchadas de batom e restos de café; com a direita, passa o pano umedecido com álcool gel nas mesas. Levanta o rosto e olha através do vidro. Mal consegue enxergar a rua escondida atrás da chuva. Uma silhueta esguia, quase diáfana, com longos cabelos castanhos abriga-se na cafeteria.   Desequilibra-se  ao carregar  livros e uma sombrinha colorida. Ao abrir a porta, Gregório a reconhece, é Marcela. Não tem dúvidas. Estudaram juntos no Ensino Médio. Ela sorri ao entrar deixando cair dois exemplares.
Marcela desaba na mesa 3 , desocupada, e solta um suspiro. Olha para ele, inclinando um pouco o rosto bem feito para o lado, e sorri. Gregório junta os dois livros caídos e deixa-os ao lado dos outros, sobre a mesa. Moças atraentes como ela passam por ali todos os dias, estudantes dos mais diferentes cursos, mas ela é singular. Seus cabelos ondulam como um mar revolto em dia de vento, os olhos graúdos e profundos, parecem dizer mais que a própria fala. Ao entregar o cardápio sem conseguir disfarçar sua emoção, suas mãos se tocam .
- Um pão de queijo e um café com leite, por favor. – Como num transe fica admirando-a por alguns segundos e indagando-se se por acaso ela o reconhece. Ao se afastar para buscar o pedido, sente a mão leve e suave em suas costas e se arrepia. Ela vai falar, dizer que lembra dele, daquele tempo. Gira rapidamente o corpo num susto, e vê um sorriso meio tímido.
- Bem branquinho!
Sua voz era uma súplica e a mão, clara e macia, faz um gesto que ele não define. Afasta-se, e imagens de encontros, afagos, beijos que nunca aconteceram passam como um filme enquanto pega o café. Com o coração aos saltos pega um guardanapo e escreve seu nome e o número de seu telefone. A saliva foge da boca quando deposita a conta e o seu contato sobre a mesa.
Ela balbucia seu nome ao ler:
- Gregório!
Trocam olhares, sem dizer nada. Gregório atende outras mesas e sente o olhar dela queimar suas costas. A chuva enfraquece sem que eles conversem. Percebe, pelo canto dos olhos, que pouco depois, Marcela levanta e se direciona ao caixa. Seu coração pula na garganta.
Gregório finge limpar a mesa. Na saída, trocam um último olhar, sem sorrir. Com as mãos vazias, ele vai até a mesa 3 . Uma dorzinha ardida no peito ao encontrar, todo amassado, sobre o pires, ao lado da taça vazia, o guardanapo com o seu nome.


sábado, 20 de outubro de 2018

Start Over





 Standing undressed in front of the mirror, Salinas looks at her feet, and fixes on her well-manicured polished nude toes. Her gaze goes slightly to her shins, then on her knees, her well-shaped legs; the hips widened by two pregnancies, her teenager children.  Then she touches her breasts.  In the left side a gap, a void, a dark scar scratching her skin. She moves down her head fast and takes two steps aside unable to face her reflected image.  Feeling violated, mutilated, she cries.

Wretchedly she dries her tears with the back of her hands and sniffles.  She puts on a light silk nightgown and wears a same color headscarf on her head.  Her marriage, shattered by the suspicious of the disease, medical exams, doctors, surgery, hospital, chemotherapy,  nausea,  and hair shedding, needs to be revived. Her life cannot wait for breast reconstruction scheduled for three months’ time.  Questions haunt her.

‘Does he still have lust toward me?’

‘Am I beautiful?’

‘How is it going to be?’

‘Are we ready to start again?’

The electronic gate noise warns her husband is arriving from work. His car enters and parks in their garage. Salinas’ heart goes out of tune.

She breathes deeply and walks to the mirror one more time.

Salinas thinks while she smiles to herself on trying to feel confident.

-          It’s tonight!


Espelho Meu



Salinas despida, de pé em frente ao espelho contempla seus pés, as unhas bem feitas, pintadas com a cor nude. O olhar sobe, fixa nas canelas, nos joelhos, bem depilados; os quadris alargados por duas gravidezes, seus filhos já adolescentes. Leva rapidamente as mãos aos seios. No lado esquerdo uma lacuna, um vazio, uma cicatriz escura riscando a pele. Abaixa a cabeça rápido e dá dois passos para o lado, não quer encarar a imagem refletida. Sente-se violada, mutilada.  Chora.
Seca as lágrimas. Funga o nariz. Põe uma camisola de seda cor clara de rendas e ajeita um lenço na cabeça da mesma cor. Precisa retomar seu casamento abalado pela desconfiança da doença, exames, médicos, descoberta, cirurgia, hospital, quimioterapia, enjoos, queda de cabelos... Sua vida não pode esperar a reconstrução da mama marcada para dali a três meses.
- "Ele ainda sente desejo por mim?"
-" Eu estou bonita?"
-" Como vai ser?"

-"Estamos prontos pra recomeçar?"
O barulho do portão eletrônico avisa que o marido está chegando do serviço. O carro entra no pátio e estaciona na garagem junto à casa. Seu coração perde o compasso.
Respira fundo. Volta para frente do espelho.
- É Hoje! - Sorri, tentando ser confiante, enquanto borrifa perfume em seu pescoço.

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

First He...

First of all, he said women were “faltered” beings
People did not mind because he was kidding.
Then he told the police should kill more than they do
And People loved , because they want everyone to be killed
Then he mentioned that in dictatorship times, the error was to have tortured, but not killed;
People did not even believe that time was real, though
Then he stated his sons would never date a black woman, because they were educated.
And many people agreed.
Then he said women must earn less cause they can get pregnant
And many businessmen think the same.
Then he said if he saw two men kissing he would beat them
And many people consented, because they feel the same,
One day he criticized me, what I did, what I said
and there was nobody left to call.

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

O Enforcado


O barulho de algo pesado rangendo de lá para cá fez com que Marcos se aproximasse. Ansiava em descobrir o que ocasionava aquele ruído que se arrastava em seus ouvidos. Caminhou lentamente, sala por sala, quarto por quarto à procura da sua origem. Abria e fechava portas daquele longo corredor à meia luz. As janelas batiam sem cessar. Galhos de árvores tocavam no vidro pelo lado de fora, como mãos ansiosas batendo à porta. O vento forte entrava, mas, encurralado, não conseguia sair, causando um redemoinho. No último aposento, o enigma se dissipara. Um cadáver masculino, pendurado com uma corda ao redor do pescoço em uma das vigas do teto, rangia sem descanso.   A princípio não conseguira definir a identidade, de costas, somente pelo cabelo claro. Não queria tocar-lhe para virá-lo. Engoliu a saliva seca e  girou ao redor do corpo  para  contemplar lhe o rosto, enquanto o gelo adentrava seus membros. Os olhos estáticos e a cor de sua tez estavam alterados, mas não havia dúvidas, o enforcado era ele.