Moro sozinha somente
na companhia de dois cães. Estou amedrontada. Tem um sujeito, cujo rosto
não consigo ver direito, vestindo um casaco escuro e sujo, de tecido grosso, caminhando
devagar na calçada em frente a minha casa. Tem uma toca de lã cinza enfiada em sua cabeça. Os cabelos
em desalinho, não muito curtos, ajudam a esconder-lhe a face. No ombro, uma
enorme sacola de lona, quase
sem cor, pendurada.
O estranho pára, sem desviar os olhos da minha casa.
Acredito que não me veja, pois me
escondo atrás da persiana fechada. Estou
com medo, não tenho um parente, um amigo, ninguém para chamar. Vejo que o homem atravessa a rua e caminha até o meu
portão. O terreno é todo cercado por grades altas e resistentes. Suas intenções
não são boas, a campainha ele não toca. Vejo
que força a mão na maçaneta e empurra. Não consegue entrar, está chaveado. Suspiro
aliviada, penso que o elemento vai desistir e sair dali. Com o coração batendo forte, vejo que ele olha para os lados e não vê mais ninguém nas ruas além dele. Coloca a mochila no chão e tira algo de dentro. Não consigo ver direito, é uma ferramenta
pontuda, talvez uma chave de
fenda.
Corro até o telefone
e disco o número da policia com os dedos incertos
pela tremedeira. Só tem duas viaturas na cidade e
ambas estão ocupadas no momento, diz a mulher que me atende. Fala
que assim que o primeiro carro chegar, vai mandá-lo. Anota meu endereço sem preocupação. Aviso que sou sozinha e estou apavorada. Peço urgência. Ela nem se comove.
Chego à janela, não vejo mais ninguém no portão. Ouço barulho ao lado da casa. Ele entrou no pátio. Antevendo que isso podia ocorrer,
eu já tinha ido nos fundos colocar
meus dois cães para dentro de casa e me
certificar que as portas estavam bem trancadas.
Estamos os três inquietos
aqui na sala. Os cachorros cheiram o ar e latem
furiosos sem parar. Sentem um aroma que eu não percebo. As portas estão todas trancadas, mas o que é uma fechadura para
aquele invasor? Sinto uma mistura de dor
e agonia em minha garganta, como se alguém me sufocasse.
Ligo para o vizinho,
o telefone cai na caixa postal. Vou à janela
e chamo os moradores do
outro lado da rua, pelos nomes.
Ninguém me ouve. Disco
190 outra vez. A policial não entende. Quer que
eu repita meu endereço, quer que
eu me acalme, que eu explique tudo outra vez. Não se importa com meu drama. Claro,
não é com ela, com alguém de sua família . Se eu morrer , não vai fazer diferença. Apenas mais um
dado, uma estatística. Penso, “Onde está a policia quando mais precisamos dela?
Escuto com horror o
barulho do homem forçando a porta
dos fundos. Puxo os dois cães que não
param de latir para o meu quarto.
Abraço-me neles para acalmá-los,
mesmo em pânico. Não sei se
choro ou se rio ao chavear a porta. Se
não tivesse grade nas
janelas sairíamos à rua pedindo ajuda. Há
dois anos coloquei ferro em todas as janelas pra ter mais segurança.
Talvez não tenha sido
a solução ideal. Talvez eu devesse
ter saído com os cães pela
porta da frente e corrido até a casa ao lado. Com os outros vizinhos do fim da rua, não tenho amizade , nem sei seus
nomes ao certo.
Entro no banheiro, empurro
os cães que não param de latir
com o pelo eriçado. Passo a chave
também. Pego uma toalha de
banho vermelha e começo a
sacudi-la pela pequena abertura da basculante na tentativa de chamar a
atenção de alguém. Grito por
socorro. Meus gritos misturam-se
aos latidos dos cães.
Um barulho de porta se abrindo avisa que o homem já entrou no meu quarto. Os cães
sentem seu cheiro por debaixo da
porta do banheiro e latem ainda mais. Gritos e choro se misturam. Tenho medo de morrer. Tenho pavor de pensar na tortura que sofreremos.
A maçaneta da porta do banheiro se move para cima e para baixo. O invasor força a
porta com o peso de seu corpo. Vai entrar a qualquer momento.
que tenso!
ResponderExcluirAté eu fiquei pra escrever!!
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