Friends are not FOOD

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quarta-feira, 30 de maio de 2018

Sem Saída


Moro sozinha somente  na companhia de  dois cães.  Estou amedrontada. Tem um sujeito, cujo rosto não consigo ver direito, vestindo um casaco escuro e sujo, de tecido grosso, caminhando devagar  na calçada  em frente a minha casa. Tem uma toca de lã cinza enfiada em sua cabeça. Os cabelos em desalinho, não muito curtos, ajudam a esconder-lhe a face. No ombro, uma enorme  sacola de lona,  quase  sem cor, pendurada.  
O estranho pára, sem desviar os olhos da minha casa. Acredito que não me veja, pois  me escondo atrás da persiana fechada.  Estou com medo, não tenho um parente, um amigo, ninguém para chamar. Vejo que  o homem atravessa a rua e caminha até o meu portão. O terreno é todo cercado por grades altas e resistentes. Suas intenções não são boas,  a campainha ele não toca. Vejo que força a mão na maçaneta  e empurra.  Não consegue entrar, está chaveado. Suspiro aliviada, penso que  o elemento vai desistir  e sair dali. Com o coração  batendo forte, vejo que  ele olha para os lados  e não vê mais ninguém nas ruas  além dele.  Coloca a mochila no chão e tira  algo de dentro.  Não consigo ver direito, é uma  ferramenta  pontuda, talvez  uma chave de fenda.
Corro até  o telefone e disco  o número da  policia com os dedos  incertos  pela tremedeira. Só tem duas viaturas  na cidade e  ambas estão  ocupadas  no momento, diz a mulher que me atende. Fala que  assim que  o primeiro carro chegar,  vai mandá-lo. Anota meu endereço sem preocupação. Aviso que sou sozinha e  estou apavorada. Peço urgência. Ela nem se comove.
Chego à janela, não vejo mais ninguém no portão. Ouço barulho ao lado da casa. Ele entrou no pátio. Antevendo que isso podia  ocorrer,   eu já tinha  ido nos fundos colocar meus dois  cães para dentro de casa e me certificar que  as portas  estavam bem trancadas.
Estamos  os três inquietos aqui na sala.  Os cachorros cheiram o ar e latem furiosos sem parar. Sentem um aroma que eu não percebo. As portas estão todas  trancadas, mas o que é uma fechadura para aquele  invasor? Sinto uma mistura de dor e  agonia em minha garganta, como se  alguém me sufocasse.
Ligo para  o vizinho, o telefone cai na caixa  postal.   Vou  à janela  e chamo os moradores  do outro  lado da rua, pelos  nomes.  Ninguém me  ouve.  Disco  190 outra vez. A  policial   não entende.  Quer que  eu repita  meu endereço, quer que eu me acalme, que eu explique tudo outra vez. Não se importa com meu drama. Claro, não é com ela, com  alguém de sua  família . Se eu morrer , não vai fazer diferença. Apenas mais um dado, uma estatística. Penso, “Onde está a policia  quando mais precisamos  dela?
Escuto com horror  o barulho do  homem  forçando  a  porta dos fundos. Puxo os dois  cães que não param de latir para  o meu  quarto.  Abraço-me neles para  acalmá-los, mesmo  em pânico. Não sei se choro ou se rio ao chavear a porta. Se  não tivesse  grade nas janelas  sairíamos  à rua pedindo ajuda.    dois  anos  coloquei ferro em todas as janelas pra  ter mais segurança.
Talvez  não tenha sido a solução  ideal. Talvez  eu devesse  ter  saído com os cães  pela  porta  da frente  e corrido até a casa ao lado. Com os  outros vizinhos do fim da rua, não tenho  amizade , nem sei seus nomes ao certo.
Entro no banheiro, empurro  os  cães que não param de latir com o pelo eriçado.  Passo a chave também. Pego uma  toalha  de  banho vermelha  e começo a sacudi-la  pela pequena abertura  da basculante na tentativa de chamar a atenção de alguém.  Grito  por  socorro. Meus  gritos  misturam-se  aos latidos dos  cães.
Um barulho  de  porta  se  abrindo avisa que o homem já entrou  no meu quarto. Os cães  sentem seu cheiro  por debaixo da porta do banheiro  e latem  ainda mais. Gritos e choro se misturam.  Tenho medo  de morrer. Tenho pavor de pensar na tortura que sofreremos.
A maçaneta da porta do banheiro se move para cima e para baixo. O invasor força a porta com o peso de seu corpo. Vai entrar a qualquer momento.

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