Friends are not FOOD

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domingo, 2 de dezembro de 2018

Autoestima Elevada é Tudo





                Carros subiam em círculo naquela  hora no estacionamento vertical  procurando uma vaga. Poucos  minutos faltavam para as  8 horas  da manhã. Gerson observou  pelo retrovisor um SUV  vermelho. No volante uma  motorista  cuja beleza reluzia como um espelho no sol. Sem  conseguir disfarçar sua admiração ficou  encarando-a. A mulher saiu do carro  movimentando-se  como uma bailarina. Longos cabelos  claros e ondulados  caiam pelos  seus  ombros, a  roupa que esvoaçava sem vento mal escondia  um corpo cujas curvas  fariam inveja a Afrodite. Sem conseguir  vaga, contentou-se em vê-la desfilar em direção aos elevadores. Deu de ombros ao pensar que  mulheres lindas como aquela, ligam para ele  todos os dias.
              Na manhã  seguinte, o mesmo carro, a mesma  hora, a mesma linda mulher Dessa  vez  não iria perder a oportunidade. Viu onde ela estacionou. Deu um jeito de  entrar na primeira vaga à sua frente.  Dessa  vez, pôde  ouvir o toque dos saltos de seu calçado em contato com o chão retumbando e sintonizando com as batidas cada vez mais  aceleradas  do seu coração.
              Apressou o passo para entrar com ela  no elevador. A deusa  inclinou o  corpo e segurou a  porta  sorrindo com  expressão divertida. Os olhos feitos de um musgo escuro sorriram travessos.   Dentes muito alvos combinavam com o rosto quase  sem maquiagem. Uma mão pequena com alguns anéis e uma pulseira apertou o botão do andar pretendido.
             Quando ia falar com ela, seu  telefone tocou. A voz era um canto de sereia que o enfeitiçava.  Apertou as mãos torcendo que a ligação terminasse logo. No entanto, ainda  falando, ela saiu não sem antes levantar os olhos e  sorrir.
             Trabalhou manhã e tarde sem  que se concentrasse em nada. Só pensava na mulher do estacionamento. Os dois  encontrariam –se  novamente, eles  conversariam e é claro, ela  se interessaria  por ele. Pensou em qual restaurante  iriam, que prato e que vinho escolheria para impressiona-la. Depois do jantar, a levaria a um lugarzinho mais reservado, com alguma música  ao vivo. Isso tudo, se  sua  conversa  fosse  envolvente e se equiparasse  a sua beleza. Se  ao contrário, fosse uma mulher  chata  e vazia,  faria como sempre.  Programaria  o telefone  pra tocar meia  hora  depois  do  início do jantar. Se a companhia estiver agradável  apenas  dispensará  a ligação,  senão,  aproveitará o ensejo  com a desculpa.  Sairá apressado sem  nem pagar a conta.  Riu sozinho, pensando que é um ótimo ator!
            No final do expediente subiu pela escada de dois em dois degraus. Ao chegar ao estacionamento procurou o carro dela. Na vaga da camionete vermelha,  estava um  carro branco menor. Sacodiu a cabeça e sorriu confiante. Sabia  que  mais dia menos dia iriam se encontrar e seu plano seria bem sucedido.
            Ao se aproximar  do carro viu um papel  branco, pequeno, preso no limpador de para-brisas. Diminui o passo, estufou o peito, olhou para o lado. Sorriu com a boca  torta sem mostrar os dentes. Sabia que ela não iria embora assim, sem deixar seu contato.
Assobiava uma  música  quando pegou o papel. O sorriso morreu, a confiança fugiu de  seu rosto ao ler:
- Multa Por Estacionar em  Vaga para Deficiente

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Novembro Azul


João Temente parou na frente do prédio onde destacava se a placa com letras grandes: Clínica Vitae.  Passou pelo pátio gramado e as folhagens viçosas. Ao lado, um enorme estacionamento.  Olhou o papel em sua  mão, confirmando o endereço  e entrou sem pensar muito.   No térreo, uma moça amável recepcionava  atrás de uma mesa retangular de vidro muito limpa, vestia calça e jaleco brancos.  O cabelo preso  num coque no alto da nuca, deixava bem a mostra  o seu sorriso amistoso.  
- Boa tarde, Sr  João. – Ela entregou a requisição que ele lhe mostrara  ao chegar. Joao jurava que conseguiria ver até os seus sisos
 -  Aguarde  um pouquinho, por favor. Houve um pequeno imprevisto, mas está tudo sob controle. - Ela apontou uma das  poltronas azuis dispostas na sala de espera. – O senhor pode  servir-se  de café, água ou chá nas nossas máquinas.  Fique  calmo.-  Sorriu novamente  - Vai dar tudo certo! É um exame  rápido, e simples.
Joao abaixou a cabeça, apertou os lábios esperando que ninguém tivesse ouvido. Era a primeira vez que fazia o tal exame e sentia-se inseguro. Nos assentos à sua frente, aguardavam  dois homens  com idades semelhantes à sua, e três mulheres . Duas  conversavam amenidades  e a terceira, silenciosa,  folheava  uma revista.  João olhou o relógio.  Eram 9.00 h. da manhã.
A porta de ligação entre os consultórios e a recepção se abriu. Um homem jovem vestindo roupas alvas cuja estatura  quase chegava à soleira da porta fez  sua respiração parar. João observou o tamanho de seus dedos quando  a recepcionista lhe entregou a lista dos pacientes  da manhã. Percebeu  que  sua mão aberta, era maior que a folha A4. Pela  primeira vez em sua vida, prestava  a atenção em mãos  masculinas.
 Puxou do bolso  um  lenço xadrez e secou o suor que pingava.  A transpiração escorreu  nas têmporas, atrás  do pescoço. Levantou  e foi até o bebedouro pegar um copo de água gelada.  Pensou em sair, ir embora.
- Dr.  Lacerda, Bom dia!    vou começar a passar   suas pacientes. – O sorriso dela aumentava  seu desconforto.  Lacerda...Lacerda não era o nome do seu médico.  Olhou pela quinta vez  o nome na requisição:  Dr. V Bellfort  
Soltou o ar como se fosse um balão de aniversário desinflando, o som foi o mesmo. Os outros pacientes na espera,  o olharam  curiosos, preocupados até  com seu bem estar. Sorriu, sem graça e ajeitou-se no assento.
Virou o pescoço para o alto e  suspirou. Pensou nas piadas e brincadeiras  dos amigos quando falavam em urologistas e exame de toque retal. Sabia que era necessário avaliar a saúde da próstata. Todos os homens  com mais de 50  anos de idade precisavam realizar esse exame  anualmente.
A mão do médico não saía de sua cabeça, o tamanho de seus dedos...
Não ia fazer o exame. “ Seja o que Deus quiser” -  pensou -  “mas não vou fazer!”
Joao suspirou fundo e levantou.  Dessa vez  soltou o ar pela boca  sem fazer barulho. Olhou para os lados  planejando a saída. Coçou o nariz e saiu à rua sem olhar para trás. Quanto mais se afastava da clínica, mais rápido caminhava. Chegou ao carro e partiu.
Quando a médica com cabelos castanhos claros ondulados, corpo estilo mignon, chamou  o seu nome na recepção João nem ouviu.
-  Senhor João. João Temente.  – Repetiu mais alto a médica proctologista com mãos  delicadas – João Temente.
- Doutora Vanessa – Explicou  a recepcionista com voz carregada de desculpas  - Não  vi sair, mas  acho que  o  S. João  desistiu e foi embora.
Texto Originalmente  postado na Página  do facebook :  Borboletras

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Dor de Outro Mundo


A  impressão  de Jaime era que  duas adagas afiadas  atravessavam as laterais da sua cabeça na altura das têmporas.  Atrás, no alto da nuca, sentia como se um  diamante  maciço esmagasse um inseto peçonhento após o outro, sem parar.    Nauseado,  Jaime procurou seu quarto com a vista embaçada. Trocando as pernas, escorando-se nas paredes, encontrou a cama onde se jogou.
Respirou fundo e  soltou o ar, como se pudesse expelir junto a dor.  Repetiu sem se mover, algumas vezes seguidas. Sentiu  que alguém entrou ali.  Abriu os olhos e  encarou a preocupação materna.
- Estou com aquela dor outra vez, mãe. – A voz  saiu rouca e fraca infantilizada pela  presença dela.
- Vamos a um  especialista, fazer exames. Não é normal tanta dor. -  A mulher sentou na beirada da cama e afagou a cabeça do filho, acariciando –lhe os cabelos  escuros e lisos.
- Vou ficar  aqui quieto, deitado. Se não melhorar, amanhã  iremos. – Tentou sorrir com esperanças.
- Vou  trazer um analgésico...
Falar intensificava as fisgadas.  Jaime considerava-se  muito grande para chorar, mas muito jovem para não ter medo.  Devagar, para não sacudir a dor, deitou-se de costas para a porta  e ficou de lado.  O choro chegou silencioso, sem soluços. As lágrimas rolaram caladas no travesseiro. 
De forma  suave, alguém  entrou no quarto.  Na cama, às suas costas, o colchão afundou.  Sentiu uma mão fria em  sua testa, como se fosse uma compressa.  O coração  antes acelerado pela  agonia foi acalmando, a dor diminuindo.  A mão em sua fronte era o bálsamo que ele precisava.  
- Mãe, tu é um anjo para mim.  – Jaime murmurou  enquanto se virava devagar e viu o quarto vazio.
- O que tu falou, filho?    -   A voz  abafada  vinha da cozinha onde  a mãe sempre esteve. – Já  estou levando o comprimido!
                                           Ilustração  Liz  Quintana




sábado, 27 de outubro de 2018

O passado volta num café

Com a mão esquerda Gregório, equilibra a bandeja sobrecarregada com taças brancas manchadas de batom e restos de café; com a direita, passa o pano umedecido com álcool gel nas mesas. Levanta o rosto e olha através do vidro. Mal consegue enxergar a rua escondida atrás da chuva. Uma silhueta esguia, quase diáfana, com longos cabelos castanhos abriga-se na cafeteria.   Desequilibra-se  ao carregar  livros e uma sombrinha colorida. Ao abrir a porta, Gregório a reconhece, é Marcela. Não tem dúvidas. Estudaram juntos no Ensino Médio. Ela sorri ao entrar deixando cair dois exemplares.
Marcela desaba na mesa 3 , desocupada, e solta um suspiro. Olha para ele, inclinando um pouco o rosto bem feito para o lado, e sorri. Gregório junta os dois livros caídos e deixa-os ao lado dos outros, sobre a mesa. Moças atraentes como ela passam por ali todos os dias, estudantes dos mais diferentes cursos, mas ela é singular. Seus cabelos ondulam como um mar revolto em dia de vento, os olhos graúdos e profundos, parecem dizer mais que a própria fala. Ao entregar o cardápio sem conseguir disfarçar sua emoção, suas mãos se tocam .
- Um pão de queijo e um café com leite, por favor. – Como num transe fica admirando-a por alguns segundos e indagando-se se por acaso ela o reconhece. Ao se afastar para buscar o pedido, sente a mão leve e suave em suas costas e se arrepia. Ela vai falar, dizer que lembra dele, daquele tempo. Gira rapidamente o corpo num susto, e vê um sorriso meio tímido.
- Bem branquinho!
Sua voz era uma súplica e a mão, clara e macia, faz um gesto que ele não define. Afasta-se, e imagens de encontros, afagos, beijos que nunca aconteceram passam como um filme enquanto pega o café. Com o coração aos saltos pega um guardanapo e escreve seu nome e o número de seu telefone. A saliva foge da boca quando deposita a conta e o seu contato sobre a mesa.
Ela balbucia seu nome ao ler:
- Gregório!
Trocam olhares, sem dizer nada. Gregório atende outras mesas e sente o olhar dela queimar suas costas. A chuva enfraquece sem que eles conversem. Percebe, pelo canto dos olhos, que pouco depois, Marcela levanta e se direciona ao caixa. Seu coração pula na garganta.
Gregório finge limpar a mesa. Na saída, trocam um último olhar, sem sorrir. Com as mãos vazias, ele vai até a mesa 3 . Uma dorzinha ardida no peito ao encontrar, todo amassado, sobre o pires, ao lado da taça vazia, o guardanapo com o seu nome.


sábado, 20 de outubro de 2018

Start Over





 Standing undressed in front of the mirror, Salinas looks at her feet, and fixes on her well-manicured polished nude toes. Her gaze goes slightly to her shins, then on her knees, her well-shaped legs; the hips widened by two pregnancies, her teenager children.  Then she touches her breasts.  In the left side a gap, a void, a dark scar scratching her skin. She moves down her head fast and takes two steps aside unable to face her reflected image.  Feeling violated, mutilated, she cries.

Wretchedly she dries her tears with the back of her hands and sniffles.  She puts on a light silk nightgown and wears a same color headscarf on her head.  Her marriage, shattered by the suspicious of the disease, medical exams, doctors, surgery, hospital, chemotherapy,  nausea,  and hair shedding, needs to be revived. Her life cannot wait for breast reconstruction scheduled for three months’ time.  Questions haunt her.

‘Does he still have lust toward me?’

‘Am I beautiful?’

‘How is it going to be?’

‘Are we ready to start again?’

The electronic gate noise warns her husband is arriving from work. His car enters and parks in their garage. Salinas’ heart goes out of tune.

She breathes deeply and walks to the mirror one more time.

Salinas thinks while she smiles to herself on trying to feel confident.

-          It’s tonight!


Espelho Meu



Salinas despida, de pé em frente ao espelho contempla seus pés, as unhas bem feitas, pintadas com a cor nude. O olhar sobe, fixa nas canelas, nos joelhos, bem depilados; os quadris alargados por duas gravidezes, seus filhos já adolescentes. Leva rapidamente as mãos aos seios. No lado esquerdo uma lacuna, um vazio, uma cicatriz escura riscando a pele. Abaixa a cabeça rápido e dá dois passos para o lado, não quer encarar a imagem refletida. Sente-se violada, mutilada.  Chora.
Seca as lágrimas. Funga o nariz. Põe uma camisola de seda cor clara de rendas e ajeita um lenço na cabeça da mesma cor. Precisa retomar seu casamento abalado pela desconfiança da doença, exames, médicos, descoberta, cirurgia, hospital, quimioterapia, enjoos, queda de cabelos... Sua vida não pode esperar a reconstrução da mama marcada para dali a três meses.
- "Ele ainda sente desejo por mim?"
-" Eu estou bonita?"
-" Como vai ser?"

-"Estamos prontos pra recomeçar?"
O barulho do portão eletrônico avisa que o marido está chegando do serviço. O carro entra no pátio e estaciona na garagem junto à casa. Seu coração perde o compasso.
Respira fundo. Volta para frente do espelho.
- É Hoje! - Sorri, tentando ser confiante, enquanto borrifa perfume em seu pescoço.