Friends are not FOOD

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segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Novembro Azul


João Temente parou na frente do prédio onde destacava se a placa com letras grandes: Clínica Vitae.  Passou pelo pátio gramado e as folhagens viçosas. Ao lado, um enorme estacionamento.  Olhou o papel em sua  mão, confirmando o endereço  e entrou sem pensar muito.   No térreo, uma moça amável recepcionava  atrás de uma mesa retangular de vidro muito limpa, vestia calça e jaleco brancos.  O cabelo preso  num coque no alto da nuca, deixava bem a mostra  o seu sorriso amistoso.  
- Boa tarde, Sr  João. – Ela entregou a requisição que ele lhe mostrara  ao chegar. Joao jurava que conseguiria ver até os seus sisos
 -  Aguarde  um pouquinho, por favor. Houve um pequeno imprevisto, mas está tudo sob controle. - Ela apontou uma das  poltronas azuis dispostas na sala de espera. – O senhor pode  servir-se  de café, água ou chá nas nossas máquinas.  Fique  calmo.-  Sorriu novamente  - Vai dar tudo certo! É um exame  rápido, e simples.
Joao abaixou a cabeça, apertou os lábios esperando que ninguém tivesse ouvido. Era a primeira vez que fazia o tal exame e sentia-se inseguro. Nos assentos à sua frente, aguardavam  dois homens  com idades semelhantes à sua, e três mulheres . Duas  conversavam amenidades  e a terceira, silenciosa,  folheava  uma revista.  João olhou o relógio.  Eram 9.00 h. da manhã.
A porta de ligação entre os consultórios e a recepção se abriu. Um homem jovem vestindo roupas alvas cuja estatura  quase chegava à soleira da porta fez  sua respiração parar. João observou o tamanho de seus dedos quando  a recepcionista lhe entregou a lista dos pacientes  da manhã. Percebeu  que  sua mão aberta, era maior que a folha A4. Pela  primeira vez em sua vida, prestava  a atenção em mãos  masculinas.
 Puxou do bolso  um  lenço xadrez e secou o suor que pingava.  A transpiração escorreu  nas têmporas, atrás  do pescoço. Levantou  e foi até o bebedouro pegar um copo de água gelada.  Pensou em sair, ir embora.
- Dr.  Lacerda, Bom dia!    vou começar a passar   suas pacientes. – O sorriso dela aumentava  seu desconforto.  Lacerda...Lacerda não era o nome do seu médico.  Olhou pela quinta vez  o nome na requisição:  Dr. V Bellfort  
Soltou o ar como se fosse um balão de aniversário desinflando, o som foi o mesmo. Os outros pacientes na espera,  o olharam  curiosos, preocupados até  com seu bem estar. Sorriu, sem graça e ajeitou-se no assento.
Virou o pescoço para o alto e  suspirou. Pensou nas piadas e brincadeiras  dos amigos quando falavam em urologistas e exame de toque retal. Sabia que era necessário avaliar a saúde da próstata. Todos os homens  com mais de 50  anos de idade precisavam realizar esse exame  anualmente.
A mão do médico não saía de sua cabeça, o tamanho de seus dedos...
Não ia fazer o exame. “ Seja o que Deus quiser” -  pensou -  “mas não vou fazer!”
Joao suspirou fundo e levantou.  Dessa vez  soltou o ar pela boca  sem fazer barulho. Olhou para os lados  planejando a saída. Coçou o nariz e saiu à rua sem olhar para trás. Quanto mais se afastava da clínica, mais rápido caminhava. Chegou ao carro e partiu.
Quando a médica com cabelos castanhos claros ondulados, corpo estilo mignon, chamou  o seu nome na recepção João nem ouviu.
-  Senhor João. João Temente.  – Repetiu mais alto a médica proctologista com mãos  delicadas – João Temente.
- Doutora Vanessa – Explicou  a recepcionista com voz carregada de desculpas  - Não  vi sair, mas  acho que  o  S. João  desistiu e foi embora.
Texto Originalmente  postado na Página  do facebook :  Borboletras

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Dor de Outro Mundo


A  impressão  de Jaime era que  duas adagas afiadas  atravessavam as laterais da sua cabeça na altura das têmporas.  Atrás, no alto da nuca, sentia como se um  diamante  maciço esmagasse um inseto peçonhento após o outro, sem parar.    Nauseado,  Jaime procurou seu quarto com a vista embaçada. Trocando as pernas, escorando-se nas paredes, encontrou a cama onde se jogou.
Respirou fundo e  soltou o ar, como se pudesse expelir junto a dor.  Repetiu sem se mover, algumas vezes seguidas. Sentiu  que alguém entrou ali.  Abriu os olhos e  encarou a preocupação materna.
- Estou com aquela dor outra vez, mãe. – A voz  saiu rouca e fraca infantilizada pela  presença dela.
- Vamos a um  especialista, fazer exames. Não é normal tanta dor. -  A mulher sentou na beirada da cama e afagou a cabeça do filho, acariciando –lhe os cabelos  escuros e lisos.
- Vou ficar  aqui quieto, deitado. Se não melhorar, amanhã  iremos. – Tentou sorrir com esperanças.
- Vou  trazer um analgésico...
Falar intensificava as fisgadas.  Jaime considerava-se  muito grande para chorar, mas muito jovem para não ter medo.  Devagar, para não sacudir a dor, deitou-se de costas para a porta  e ficou de lado.  O choro chegou silencioso, sem soluços. As lágrimas rolaram caladas no travesseiro. 
De forma  suave, alguém  entrou no quarto.  Na cama, às suas costas, o colchão afundou.  Sentiu uma mão fria em  sua testa, como se fosse uma compressa.  O coração  antes acelerado pela  agonia foi acalmando, a dor diminuindo.  A mão em sua fronte era o bálsamo que ele precisava.  
- Mãe, tu é um anjo para mim.  – Jaime murmurou  enquanto se virava devagar e viu o quarto vazio.
- O que tu falou, filho?    -   A voz  abafada  vinha da cozinha onde  a mãe sempre esteve. – Já  estou levando o comprimido!
                                           Ilustração  Liz  Quintana