Friends are not FOOD

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quinta-feira, 11 de junho de 2020

Brasil - Um País que Aprende com os Erros dos Outros


                    A Covid19, como uma incontrolável nuvem de gafanhotos, dizimou vidas de todos os continentes da terra; primeiro a Ásia, alastrou-se pela Europa, América do Norte, Central e do Sul e depois a África.

                  O Brasil, talvez por ter tirado preciosas lições com a experiência anterior de outros países, organizou-se e apesar das diferenças continentais, salvou seu povo.
                  Nenhum outro país foi tão pouco invadido pelo vírus quanto o Brasil. Em nenhum outro lugar, respeitando as diferenças de tamanho e numero populacional, morreu tão pouca gente.
Cento e vinte e três vidas. Cento e vinte e três sonhos que não se concretizaram. Sentimos muito pelos familiares enlutados dessas cento e vinte e três vítimas no Brasil. Sofremos por eles que perderam pais, mães, avós ou filhos.  
                   A participação do nosso presidente foi crucial, para esses números. O povo teve força, apoio,  uma meta,  e conseguimos!  As fronteiras foram fechadas, políticas de apoio aos brasileiros implementadas. Cada município conhecedor de seus moradores, encarregou-se de averiguar quem precisava  de ajuda.
                    Todas as noites, antes do horário de dormir, nosso chefe maior, em cadeia nacional falava diretamente para o povo que o elegeu:  “ Desejo a vocês muita força! Hoje é um dia  a menos, um dia a menos, gente!  Estamos dentro de numa caverna escura, atravessando! Vamos alcançar o outro lado, vamos sim, todos bem. Mas preciso que vocês fiquem em casa. Não saiam para nada, a não  ser em caso de extrema necessidade, isso é só até a escuridão dessa nuvem passar e o sol novamente aquecer nosso pais! Vamos ter força, que isso vai passar logo! Um beijo no coração dos brasileiros que perderam seus entes queridos. Choro  ai com vocês, taOK?  Recebam o meu carinho aí.”
                      Muito religioso, depois da oração reconfortante , ainda completava:   “Que nosso Pai maior nos acompanhe hoje e sempre. Durmam bem!”
                       O mundo  se uniu, ficou forte, imbatível. Inteligências das mais relevantes escolas uniram suas pesquisas, estudos foram realizados e as vacinas vieram.
                       A empatia e a compaixão pelo outro, pelo semelhante destruiu o vírus. Toda a população terrena, desde o bolso cheio até o vazio foi vacinada e o planeta respira. Inspira, respira, inspira, respira.
                      Quando a nuvem de doença clareou, uma nova consciência apareceu. Desde então todos  importam: Negros, brancos, mulheres, homens, pobres, ricos, humanos, e não humanos...  







quarta-feira, 18 de março de 2020

Vírus

Photo Credits to Massimo Pinca


Os moradores da casa da esquina escondem-se atrás das grossas cortinas das janelas e espiam quem passa na calçada. As grades de ferro deixam a mostra as poucas pessoas, todas com máscaras cirúrgicas,  que caminham rápido em direção às suas casas.  
 - Mãe, tem dois homens parados no portão.
- Não são os entregadores do supermercado com as compras, filha?
A menina, com a respiração rápida e boca contraída, não responde. Aproxima-se de Elza e afunda o rosto em seu corpo.
- Eles só estão olhando, não vão entrar. – Elza abraça forte a menina enquanto seus olhos procuram os do marido.
Leonardo caminha até a janela. Dois homens jovens, parados de pé com rostos cobertos, ao lado de fora portão. A raiva permeia a veste que esconde o medo do vírus.
- Não parecem armados. Mas não saiam na rua com os cães. - Fala baixo para a esposa - Estão cada dia mais agressivos, não sei quanto tempo vamos aguentar.
Elza  pressiona os ouvidos da filha escondidos em cachos dourados contra o corpo e aquiesce com um movimento de cabeça. Não quer assustar a menina ainda mais. Se houver uma saída e haverá,  Janete crescerá, se tornará uma adulta equilibrada e  Elza espera, com menos traumas possível.
Ao sentir cheiro de estranho Leão e Urso latem. Leonardo tenta entretê-los com uma bola.
- Eles sabem que os dois estão aqui, Leo. -  Elza acaricia os cães com voz chorosa.
- Isso vai passar, Elza. A solução vai aparecer antes que o pior aconteça! Também deve ter mais pessoas como nós. – Ele não sabe se acredita no que diz. Ao ouvir as próprias palavras proferidas por sua voz seus olhos fixam-se no nada.
***
Leonardo abre a porta dos fundos, espreita os dois lados do pátio. Inspira o ar que vem direto das árvores e plantas. Livra-se  dos chinelos e afunda os pés na grama. Abre bem os dedos, estica-os e  os encolhe até que as folhas verdes e largas passem entre eles. Sorri ao sentir o frescor em seus pés, esquecido, por um momento, do que ocorre em seu país. 
Olha ao seu redor devagar enquanto puxa um ar triste para dentro dos seus pulmões, atento a qualquer movimento. Caminha com cuidado até a peça ao lado da piscina onde guarda ferramentas e a máquina de cortar grama. Passa por baixo da caneleira e da mangueira intactas. Estica o braço, encosta a mão no tronco grosso e áspero. Fecha os olhos e em uma reza, pede forças à natureza. Continua, enquanto seus olhos procuram inimigos em sua volta. Com cenho franzido caminha até a grade,  onde plantou as trepadeiras fotinia quando tudo começou.  Um bom pedaço do terreno já se esconde dos curiosos  que  espiam de fora. As hortênsias rosas e azuis não foram mais podadas, crescem livres com o mesmo intuito.
O medo descontrola seu peito  quando se aproxima do portão.  Lembrou dos dois homens que observavam sua casa.  Não os reconhecera, por causa das máscaras. Leonardo observa marcas na madeira, afundadas com algum objeto de ferro, talvez um martelo. Estranho não terem ouvido nada, nem os cães. As dobradiças da parte superior foram mexidas, afrouxadas. Quem queria entrar, desistiu por algum motivo. Mas era uma questão de tempo. 
Aperta os parafusos, sua frio, passa o dorso da mão para secar a testa. Troca rápido as porcas e arruelas danificadas com medo que um inimigo surgisse.  Sente  olhos acompanharem seus movimentos. Levanta a cabeça. 
A uns 200 metros um homem alto com máscara, olha para ele. Não o reconhece. Para e observa-o, sem saber qual será a sua atitude. Solta o ar que mantem preso ao ver que a pessoa corre, distancia-se dele. O medo anda na rua.
O furgão de entrega do supermercado larga na entrada do portão as duas caixas de sempre: uma com utensílios de cozinha e limpeza, álcool gel e a outra com frutas, e alimentos não perecíveis.
Busca o telefone no bolso. O pavor é tanto que há dias não sabe dos parentes e amigos. Sinal morto.  Sem cobertura o aparelho não tem serventia. 
As refeições fracionadas são silenciosas.  Os cães comeram os últimos farelos de ração naquele dia. Assistem filmes, os canais abertos só falam do vírus.
Leonardo levanta com o sol. Abre a porta da casa, desce os três degraus da cozinha e olha para os lados. O caminho livre o encoraja a ir rápido até o portão pegar a comida. Não tinha ouvido barulho da camioneta, mas pelo adiantado da hora, os alimentos, víveres já deviam estar ali. A rua dorme vazia,  nem o vento tem coragem de sair . O estômago afunda no medo. Volta, caminha pelo pátio, passa a mão nas plantas, sente a textura, uma energia boa fluir delas. Verifica a porta intacta do portãozinho  e retorna ao local onde as compras deveriam estar.  O coração pula em bolhas de ar, flutuando dentro do peito em uma sensação ruim. 
Entra na cozinha e Elza inspira forte ao ver as mãos vazias do marido. O olhar conta que a fome logo viria.  Elza vira-se de costas, de frente para a pia,  morde o lábio e expira com confiança  na voz engolindo o choro.
- Vou preparar algo com o que temos, sobrou feijão de ontem... Um pouco de arroz. No freezer ainda temos bastante coisa congelada, para outros dias. – fala rápido mais para consolar a si própria - Podemos plantar também. Separei algumas sementes de abóbora... No lixo ecológico deve haver outras e...
O repórter ao vivo na televisão a interrompe:
- O vírus se espalha rapidamente. Animais em geral são transmissores.  Mas não há motivo para pânico, pois pessoas também transmitem o vírus.  No mundo já são mais de dois milhões de infectados. O quadro inicia com febre e tosse no primeiro dia, no segundo, pessoas  do grupo de risco podem evoluir para crise respiratória aguda. Recomenda-se ficar em casa e ir ao hospital somente se o infectado sentir muita dor ao respirar. Não há necessidade para pânico, repito.  Álcool gel e máscaras cirúrgicas já estão em falta. O governo já importou vacinas que chegarão em duas semanas. As autoridades pedem calma para a população. Saques a lojas e supermercados e  hospitais não levarão a lugar algum. Pedimos calma e não há necessidade de exterminar seus animais domésticos, eles são tão vítimas quanto...  - Um grupo de quatro rapazes com máscaras chega por atrás do repórter. Um deles pega o microfone com certa violência e tenta falar. Outro agride o câmera man, a imagem congela. Câmeras são desligadas. A imagem some da tela e o canal põe propaganda. Indecisos talvez sobre o que colocar, repetem o pronunciamento do presidente da noite anterior.
Antes de comentarem sobre a reportagem, a TV, a geladeira e o freezer se desligam num eco desafinado.  
- Vou ver o disjuntor. – Leonardo  sai pela porta
- Leo, não perde tempo. Sabíamos que isso ia acontecer mais cedo ou mais tarde. – Elza olha para o chão.
Ele por um momento, vê no piso limpo, os próximos acontecimentos de seus dias, como em um filme, e se afasta sem olhar para ela.
Volta  da horta com pequenas folhas de couve. Arrepende-se por não ter sido mais caprichoso com o quintal.
- Replantei alguns pés de couve e algumas sementes. Não sei exatamente do que eram. A chuva anda escassa, vou molhar os...
- Leonardo! – Ela abre a torneira e sai da frente da pia, para que ele veja que mesmo aberta,  nem uma gota pinga.
Sem uma palavra Leonardo, vira as costas e pega todos os baldes da lavanderia. Arruma-os de maneira que possa armazenar o gelo do freezer ao derreter.
- Essas comidas vão estragar.-  Ela fala
- Você pode dizer algo que eu não saiba?  - Ele passa a mão pelo cabelo.
Os cães sempre amistosos brigam pela primeira vez naquela tarde. A fome chama a raiva. 
- Vamos solta-los na rua?  Pelo menos terão uma chance de lutar por suas vidas, quem sabe encontrar comida, um osso.- Ela diz.
- Lutar? Não duram dez minutos com essa gente enlouquecida. -  Leonardo  franze a testa. Desconhece a mulher com quem casou.
- Vamos morrer todos aqui? - Elza não chora e o encara firme.
- E solta-los vai nos salvar? 
As ruas vazias, nem carros passam. Leonardo não dorme. Fica de espreita, no quarto de casal, atrás da cortina, de frente para o portão.  Há vários dias ninguém passa na rua, nem carros nem pessoas.
- Vou sair amanhã. Não aguento mais. Quem sabe algo tenha mudado?
- Não. Você não pode sair. – Elza levanta, caminha e senta novamente. Esconde o rosto entre as mãos. A menina observa os dois sem dizer nada. – E se você não voltar mais? O que será de nós?
- Temos que fazer algo. Não podemos mais ficar aqui, sem água, sem comida, sem notícias. Não sabemos se piorou, se melhorou, se encontraram uma saída, um remédio, uma vacina. 
O medo obriga-os a dormirem todos no quarto de casal. Chaveados, as janelas com trancas de madeira, pregadas de forma irregular. Com a boca seca e uma procela na barriga, todos acordam no meio da noite. Os cães latem, levantam o focinho, cheiram algo que os humanos não sentem e choram.  
- Eles ouviram alguma coisa.- Elza senta-se na cama e cobre-se com o cobertor até o queixo.
Os cães continuam a cheirar o ar e a latir. Caminham até Elza,  e voltam à entrada duas vezes.
- Estão entrando. -  avisa Leonardo com o ouvido na porta
 Um caminhão, algo grande,  entra no pátio e passa sem dificuldade por sobre a grade num estrondo.  Os cães arranham a porta do quarto, suas unhas deixam marcas na pintura da porta. Mãe e filha, abraçam-se na cama. Leonardo de pé, na porta, olha para as duas sem conseguir defende-las. Elza aperta forte a filha Janete junto ao peito.   Passos e vozes já entram na casa. Móveis, quadros e vasos vão ao chão.  Latidos e gritos ocupam os espaços. 

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Conto Brasileiro

Anos de lavagem cerebral, dados alterados e mentiras enraizadas cavaram pouco a pouco um buraco imenso e profundo no maior país, em extensão de terras, da América do Sul. As mídias, com interesses próprios, lançavam fatos e dados mascarados de verdade sobre a população. Aqueles que tinham maior poder econômico ajudavam a disseminar informações sem fundo verdadeiro. Fantasias hipotéticas de números e propriedades inexistentes criaram um monstro monocórdio, inimigo da flora e da fauna, que urrava “Talkey”.
Além desse termo coloquial, a besta proferia ofensas às mulheres, à liberdade de imprensa, negros, homossexuais, portadores de HIV... As verborragias enunciadas alienaram ainda mais os seus ascetas hipnotizados.
Toda a população, tanto os simpatizantes do horrendo energúmeno como os mais conscientes, foram chutados à essa cova. Jogados uns sobre os outros, enfraqueceram dia a dia, sem água para beber ou alimento.
Alguns, pensando em si mesmos, tentavam sair e pisavam sobre os semelhantes caídos. Aos gritos, sentiam dores atrozes, desde que doenças estranhas começaram a aparecer.
Mesmo assim, essas pessoas, com roupas rasgadas e sujas de barro, ainda conclamavam emocionados, certos de sua escolha: “Mito”, “Mito”, “LulaDrão”, “ForaPT”. Parentes e, antes, amigos odiaram-se.
Tantas foram as trocas de socos e chutes, insultos e afrontas de todos os lados que nenhum deles percebeu a terra apodrecida, chovendo sobre suas cabeças.
A cada quantidade de terra que soterrava tanto admiradores quanto opositores, a criatura berrava, a saliva grossa se juntava branca e grossa no canto de sua bocarra.
– “Isso é para o bem do Brasil! Isso é para o bem do Brasil. O Brasil é nosso”
Mãos, fazendo sinal de arminha, sepultadas foram aos poucos se abrindo, ao entender o que se passava. Em desespero, sentiram o peso soterrar suas vozes.