“Regana era uma mulher solteira funcionária pública de seus
mais de cinqüenta anos. O ventre já seco lhe impossibilitara de ter seus próprios filhos. Na sua solidão, vivia entre a cruel dúvida: Adotar uma criança ou um cachorro para lhe fazer companhia.
Falou sobre o assunto com algumas amigas ( que tiveram mais sorte e tiveram
filhos) e outras que como ela não provaram
o gostinho da maternidade. As opiniões
se divergiam, mas a opção de adotar uma criança foi a mais aprovada. Alguns dos comentários foram esses:
“Não vai gastar com um animal, tendo tanta criança necessitada
precisando de atenção”
“Um animal dura no máximo 15
anos e vocês ficarão velhos
juntos. Você não terá como cuidar dele... a criança cresce e poderá cuidar de
você.”
“ Gente é gente, animal é
animal. A vida de uma pessoa humana
vale mais do que a vida de um animal. Se pode, ajude
um ser humano, não um animal irracional.”
Regana adotou uma criança: um menino de cinco anos, olhos
vivos, bochechas gordas e rosadas.
Colocou-o em uma escola particular de Irmãs Católicas, na Escolinha de
Futebol e na Natação. Deu a ele todo o seu amor que a vontade de ser mãe
acumulara ao longo dos anos. Como ele não tinha ainda registro, deu-lhe o nome
de Orestes.
Por essa época, largaram em frente ao seu portão um filhote de cachorro franzino com falhas no pelo
branco com manchas amarelas. Decidida a não adotar o animal porque havia
adotado uma criança, Regana começou
a alimentar o cão, mas
não o colocou pra dentro do
pátio. Todos os dias ele aparecia para comer e abanar o rabo. Foi se criando
pela rua, às vezes acariciado, outras vezes, xingado e chutado, mas sempre com ânimo para abanar o rabinho para todos, até para aqueles que
lhe faziam mal. Chamava –o de Desolo.
O tempo passou e Orestes, apesar de
toda a educação e carinho entrou no
mundo das drogas. Regana, nada percebeu. Com mais de sessenta anos, não
conhecia as características e trejeitos
de viciados.
Uma tarde de uma dia que começou chorando, nem o pára-brisa do carro
deixava visível a rua, Regana foi abordada no estacionamento do supermercado
aonde comprava as bolachas favoritas
de Orestes e ração para
Desolo. Percebera que eram 3 elementos
encapuzados. A primeira atitude foi correr. Ouviu as conversas deles e reconheceu
a voz de um. O peito e o estômago se fundiram num só órgão, apertado, esmagado.
Uma facada de decepção cortou seu corpo.
- Por que isso, Orestes? Por quê? -Sem responder, o encapuzado engatilha
a arma. Em vão tentou correr ate o carro. Por um momento pensa que ele não
teria coragem de machucá-la, não depois de tudo. Neste breve momento lembra o
seu primeiro dia de aula, as aulas de natação, os campeonatos de futebol... Um
estampido seco acompanhado de um queimor nas costas a fez cair. Deitada no chão, o sangue se
espalhando pelo cinza da calçada, fixa seu olhar no encapuzado que
falava aos outros:
- “Ela guarda
tudo o que tem numa gaveta na cabeceira do quarto dentro de um envelope pardo. Deve ter pouco dinheiro
na bolsa. Vamos lá!”
Um dos outros corre e pega a bolsa já molhada de sangue que ela levava junto ao ombro. Ao
desvencilhar a bolsa do corpo caído ainda desfere dois chutes. O segundo ela já
nem sente mais. Aquele encapuzado cuja voz reconhecera para em sua frente e se
mostra. Seu rosto impassível, não fala de qualquer sentimento. Ela nem se assusta mais, já sem forças de
fixar os olhos em Orestes ali na sua frente.
Roubá-la por quê? Acaso tudo o que tem não será dele quando
morrer? Acaso ele não sabe que é seu único herdeiro, ficaria com a casa e com
algum dinheiro que tem guardado...
Esse foi seu último pensamento. Entrava no mundo dos mortos
com a imagem dele. Seu derradeiro suspiro fora ali, no estacionamento do
supermercado, na frente daquele que
criou como filho. Filho do seu carinho.
O enterro no dia seguinte foi acompanhado de poucas pessoas.
Sem família, poucos amigos e alguns vizinhos. Regana teve uma cerimônia
simples. Orestes e os outros dois já estavam detidos, mas por serem menores de
idade logo estariam soltos. O morador da frente
o flagrara com mais dois rapazes vasculhando a casa
no dia da morte e a policia os
identificara.
Alguém porem acompanhou o féretro de longe, devagarzinho. O
velho cão Desolo quietinho entendendo tudo ia atrás do grupo que acompanhava o caixão até a cova.
A ultima morada de Regana teve a companhia solitária de
Desolo que definhou ali , sozinho, sobre a lápide até a sua morte.”
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